domingo, 11 de abril de 2010

A amizade Cristã em tempos de internet

- Compreendendo o que está em volto a amizade

Quando se vê alguém, e percebe-se nela, alguns traços que se identificam conosco, presumi-se que daquela pessoa possa brotar um relacionamento amistoso, isto é: uma relação de confiança, sinceridade, respeito, enfim poderá se tornar uma amizade.

È importante para nós aprofundar este termo amizade essa palavra vem do latim. vulgar. Amicitate, e significa Sentimento fiel de afeição, simpatia, estima ou ternura entre pessoas que geralmente não são ligadas por laços de família ou por atração sexual isto segundo o dicionário Aurélio.[1]

Contudo quantas vezes esse tipo de sentimento não nos trai? Não é difícil encontrarmos pessoas que quando olhamos para ela, encontramos, à primeira vista, tudo aquilo que não gostaríamos em uma pessoa. Ainda assim, aos revezes, acabamos por se aproximar dessas pessoas, e as conhecendo, percebemos que pessoalmente ela não é aquilo que imaginamos.

Isto, psicologicamente falando, tem haver com a simpatia (Do gr. sympátheia, ‘participação em, ou sensibilidade ao sofrimento do outro’, ‘compaixão’, pelo lat. Sympathia as relações que há entre pessoas que instintivamente se sentem atraídas entre si; Sentimento caloroso e espontâneo que alguém experimenta em relação a outrem; Faculdade de compartir as alegrias ou tristezas de outrem)[2] e antipatia (do gr. antipátheia, pelo lat. Antipathia aversão espontânea e instintiva; repugnância)[3], e isso é algo nato no ser humano, isso também por conseguinte, condiciona os relacionamentos que temos nas diversas relações que construímos em nossa vida.

A problemática para concebermos os relacionamentos amistosos tomou outros rumos com o advento dos meios virtuais, tão difundidos em nossa sociedade contemporânea. Com certeza, esses meios têm suas beneficies. Hoje, em tempo real, pode-se contatar a qualquer hora do dia com as pessoas do outro lado do mundo, e não só trocar informações bem como imagens em tempo real. Isso fez com que se diminuísse a saudade nas pessoas que se amam e que estão distantes uma das outras.

Mas para, além disso, surgiu um novo fenômeno, o chamado amigo virtual. Hoje quem é que não tem um amigo virtual?

A realidade nos demonstra que este tipo de amigo está muito presente. Isso tem o seu lado bom, que é o de conhecermos mais pessoas, ainda que virtualmente.

Mas olhando para o que analisamos, sobre simpatia, antipatia e amizade, podemos considerar amigo, no que se alude na essência dessas palavras, as pessoas que virtualmente conhecemos? Podemos caracterizar essas pessoas como amigas somente por conhecê-las na web? Essa pessoa é realmente o que se apresenta a nós?

2- compreender a amizade virtual

Eis um dilema posto! Contudo anterior a tudo isso, e para podermos analisar melhor essa reflexão, precisamos esclarecer alguns pontos para melhor compreendermos tudo isso, ou ao menos lançarmos luzes sobre o túnel.

Se aprofundarmos o termo amizade, vamos perceber que sua raiz é a mesma que amor. O próprio dicionário Aurélio nos apresenta sobre definição de amor como: Sentimento que predispõe alguém à desejar o bem de outrem; afeição, amizade, carinho, simpatia, ternura. Mas se concebe as três formas de amor, o chamado amor: filos, Eros, e ágape. Entre um simples conhecer e querer bem, ser amigo de uma pessoa aludimos ao termo filia. A relação entre pessoas que se desejam: denominamos o amor Eros, para a relação de doação toatal, em amar sem medida, respeitando a individualidade do outro, alteridade, procurando estar a disposição a qualquer momento, isso denominamos ágape ou caridade. É interessante observarmos o que diz o dicionário Aurélio em relação à palavra caridade: “No vocabulário cristão, o amor que move a vontade à busca efetiva do bem de outrem e procura identificar-se com o amor de Deus; ágape, amor-caridade”.

Bonita e profunda interpretação foi dada pelo Santo Padre Bento XVI, pois ele qualifica que as categorias, apresentada a cima acorrem para o mesmo objetivo: o amor de entrega e recebimento do querer bem um ao outro em todas as relações, quer seja de amizade ou entre homem e mulher, estão em busca da mesma finalidade o amor ágape.

Mas no mundo moderno vemos surgir uma nova categoria, se assim podemos denominar o amigo virtual. Para entendermos melhor vamos aprofundar o termo virtual: na sua etimologia refere-se a: Do latim escolástico virtuale; Adjetivo de dois gêneros; Que existe como faculdade, porém sem exercício ou efeito atual; Suscetível de se realizar; potencial; Diz-se do que está predeterminado e contém todas as condições essenciais à sua realização; Que resulta de, ou constitui uma emulação, por programas de computador, de determinado objeto físico ou equipamento, de um dispositivo ou recurso, ou de certos efeitos ou comportamentos seus. Quase incompreensível, mas traduzindo por miúdos quer dizer que: é algo que existe somente, mas que não é completamente realizado, mas pode vir a ser.

Não queremos aqui desqualificar a relação do chamado “amigo virtual”, mas queremos persuadir à uma reflexão que pode não contentar muitos. Em todo o contexto, se as relações de amizade são tão complexas, principalmente olhando pela razão cristã, por que se cresce tanto essa dinâmica de virtualidade no mundo?

Proponho então algumas reflexões para compreender este fenômeno:

  1. Em um mundo no qual a individualidade é marcada por uma vaidade presunçosa é mais fácil compartilhar idéias com os que pensam iguais a mim ao que tolerar idéias contrárias, dessa maneira me satisfaz em concordar, do que enfrentar o contrário.
  2. Ter amigos que eu não tenha responsabilidade sobre eles, e nem eles interferirem no meu mundo, na minha vida, aguça a idéia de que eu sou o que sou, e ninguém tem nada a haver com isso, me aceite como sou, pois eu não preciso agradar ninguém somente eu mesmo.
  3. O mundo fica aos meus pés, ou melhor, aos meus olhos, através de um mundo virtual onde neste espaço eu mando e quem me contraria ou quem for apático a mim eu deleto. Sendo assim eu incluo somente os que convêm a mim.

O amigo virtual nos traz comodidade e distanciamento da realidade. Não podemos somente cultivar amizades virtuais diante de um mundo onde tantas pessoas estão necessitadas de afeição. Basta saber que inúmeros casos de depressão, a chamada doença do século, foram devidos à carência afetiva no período da infância e adolescência. Ainda que o ser humano crie diversas maneiras de que a informática melhore a sua vida, o homem é estritamente relacional. A relação é algo intrínseco ao ser humano. Não há vida plena se não houver relação, e quando me refiro vida plena estou falando da realidade ultima de cada um de nós junto de Deus. Isso foi que o Santo Padre se referiu no encontro com a juventude em São Paulo. “A pergunta do Evangelho não contempla apenas o futuro. Não trata apenas de uma questão sobre o que acontecerá após a morte. Há, ao contrário, um compromisso com o presente, aqui e agora, que deve garantir autenticidade e conseqüentemente o futuro. Numa palavra, a pergunta questiona o sentido da vida. Pode por isso ser formulada assim: que devo fazer para que minha vida tenha sentido? Ou seja: como devo viver para colher plenamente os frutos da vida? Ou ainda: que devo fazer para que minha vida não transcorra inutilmente?”. Nossa vida é um caminho para o encontro com o Senhor na plenitude, e essa plenitude é a partir das relações que construímos na etapa de nossa vida aqui. Quando falamos de relação é impossível se pensar no contexto virtual, pois a relacionalidade do individuo passa pelo toque, pelo carinho, pelo diálogo, por momentos de alegria e de dor, na ajuda mútua, em todos os sentidos, etc. como construir isso a partir de uma relação virtual. O querer bem só se constrói na convivência, já se diz hoje a velha frase e mais atual do que nunca: “só se ama aquilo que se conhece”.

3- compreendendo a amizade cristã

A relação de amizade para nós cristãos vai além. Pois ela significa comprometimento com o outro. Jesus Cristo qualificou a relação das pessoas no que concerne a amizade. Mais só que; se conhecer bem e ser amigo, constitui-se uma regra de vida. Não posso dizer que sou cristão se não faço o bem para os meus amigos. O conhecimento de si mesmo para melhor amar o outro, e por conseqüência estar no outro no amor ao outro, isso faz que a relação de amizade entre cristão se torne uma verdadeira cumplicidade. Um termo hoje utilizado nas periferias que pode muito bem traduzir isso para nós hoje é o termo “parceiro”.

Na realidade das grandes periferias, onde os jovens são massificados devidos o resultado de uma sociedade injusta, que não oferece lugar para estes, batalharem pela vida se tornou resultado de luta pela sobrevivência. Neste âmbito, pessoas que se dispõem ajudá-los das mais diversas maneiras, são consideradas, em um dialeto próprio deles, de “parceiros”.

Entre essas pessoas que vão levar um pouco de esperança para estes jovens, há um vínculo de amizade tão intensa, que a convivência entre eles se torna uma cumplicidade, e por conseqüência um aprendizado mútuo que por muitas vezes revela peculiaridades nestes jovens desconhecidos até então. Há um crescimento gradual nestes educadores e jovens que faz com que despertem as mais diversas formas de expressão, profissão, vocação, etc.

Esse discipulado mútuo me faz recordar aquela passagem do Evangelho de João, 15, 15 Creio que Jesus diria “não vos chamo mais alunos, mas sim parceiros, pois não há maior parceria do que dar a vida pelos seus parceiros”. Por isso há de se entender que a relação de amizade consiste em doação.

Jesus meu amigo em uma sociedade virtual

Analisando tudo isso, como ser amigo de Jesus em uma sociedade de relação virtuais?

Em primeiro lugar, precisamos definir quem quer ser amigo, eu de Jesus ou Jesus de mim? Da parte de Jesus, Ele dispensa a sua amizade a todos, a todo o momento. Mas assim precisamos aprofundar quais são as característica de um amigo, para depois contratarmos com essa questão.

Para testemunhar que se tenha uma amizade de Jesus, podemos colocar alguns parâmetros. Vimos à cima que o texto diz: Jesus deixa claro que são seus amigos aqueles que tomam seu exemplo de dar a vida pelo outro. Sendo assim precisamos trilhar o ensinamento d’Ele. Estes ensinamentos estão na Palavra de Deus.

Para compreendermos melhor vamos refazer o caminho que trilhamos até agora.

Primeiro vimos à compreensão de quando empregamos o termo amizade. Em seguida analisamos quais os perigos da amizade virtual, em seguida vimos que se compreende como amizade cristã. Nisto tudo construímos um parecer ou uma definição que podemos expressar dizendo: amigo é aquela pessoa na qual eu dispenso uma atenção através da relação pessoal e intima que desenvolvo na minha vida, essa relação busca no aqui e agora viver da melhor maneira e com intensidade, a exemplo de Jesus Cristo, prefigurando o que se dará na vida plena.

Para compreendermos melhor vou usar de um texto. Ainda que, paradoxalmente, acredito que a melhor estrutura para conhecer a relação de amizade, no sentido cristão, está no livro “O Pequeno Príncipe”, o texto do encontro do príncipe com a raposa nos faz cadenciar a estrutura relacional entre duas pessoas, não só isso como também o cultivo dessa amizade. Tomemos o texto para melhor entendermos:

Andando, o principezinho encontrou um jardim cheio de rosas. Contemplou-as... eram todas iguais à sua flor.

E deitado na relva, ele chorou...

E foi então que apareceu a raposa.

- Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste...

- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.

- Que quer dizer "cativar" ?

- É uma coisa muito esquecida. Significa criar laços...Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. Eu não tenho necessidade de ti e tu não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas se tu me cativas, teremos necessidade um do outro. Serás para mim, único no mundo. E eu serei para ti, única no mundo. Minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. O teu passo me chamará para fora da toca, como se fosse música. A gente só conhece bem as coisas que cativou.

- Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.

- É preciso ser paciente. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal- entendidos. Cada dia te sentarás mais perto...Se tu vens por exemplo, às quatro da tarde, desde às três, eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade!

Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:

- Ah! Eu vou chorar...a gente corre o risco de chorar um pouco, quando se deixou cativar. E acrescentou:

- Vai rever as rosas. Tu compreenderás que a tua, é a única no mundo. É simples, o segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos. Foi o tempo que perdeste com tua rosa, que fez tua rosa tão importante. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...

- O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar...

" Os homens do teu planeta, disse o principezinho, cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim...e nunca encontram o que procuram...E no entanto, o que eles buscam poderia ser achado numa só rosa, ou num pouquinho d'água...Mas os olhos são cegos. É preciso buscar com o coração..."

A propriedade de cativar, de compreender que é amigo, vai para além de uma relação utilitarista. Nela contém algo que é mais forte, que as palavras não podem exprimir, que os exemplos não podem explicar, mas a experiência pode traduzir e dar testemunho.

Transportando tudo isso para uma relação com o divino, neste caso a pessoa de Jesus Cristo, minha amizade com Ele pede mais, pois ser amigo de Jesus traz por conseqüência a necessidade de testemunhar esta relação. É o testemunho na minha vida e da minha vida, que concluirá que: sou ou não este amigo de Jesus. Isto independe de vivermos hoje em uma sociedade de relação virtual ou há dois mil anos. Quando muitos foram martirizados por não querer negar o que hoje podemos identificar com ser amigo de Jesus Cristo.

Assim pautaremos nossa relação de amizade através do testemunho de São Paulo na carta aos Coríntios cap. 13. O belo hino revelado à caridade, demonstra as linhas gerais que se deve tomar em qualquer relacionamento de amizade que se virá a ter. Ser amigo de Jesus vai além dos sentimentos, e como hino demonstra, é uma atitude concreta de se colocar em uma disciplina de vida a qual a caridade, o amor, o ágape faz da minha pessoa testemunha dessa amizade.

Sendo assim, como a cima citado, devemos testemunhar essa amizade. Esse testemunho em linhas gerais tem de ser pautado pela caridade. Deste modo para ajudar a refletir podemos ainda recorrer ao texto do jovem rico. Seguir Jesus necessita de uma posição, pois ser amigo de Jesus é defender um projeto. Esta posição é solicitada, não imposta: “se queres ser perfeito vai vende tudo o que tens dá aos pobres e depois vem e segue-me”; não há amizade com Jesus sem desprendimento. É preciso deixar tudo aquilo que nos acomoda, ou que nos prende, para que possamos encarar na realidade o projeto de Deus, livre e espontaneamente. O: “vai e vende tudo que tens” é, ou deveria ser, o desejo ou, ao menos, a tentativa de se entregar nas mãos de Deus e na sua providência. Agir para testemunhar a amizade de cristo corresponde colocar em prática o amor pelos outros, aí podemos recorrer à parábola do bom samaritano, o próximo é o necessitado, é aquele que faz com que a minha caridade seja suficiente para lhe abrandar o mau que o atinge no momento. Sendo mais direto e determinado, é o que diz o capitulo vinte e cinco de são Mateus, tive sede, e me deste de beber, fome e me deste de comer, nu e me vestiu, etc... Todas as vezes que fizeste a um destes pequeninos foi a mim que o fizeste.

Ainda mais, para melhor traduzir este texto, evocamos o nº 31 do documento da Conferência do Episcopado Latino Americano, reunidos em Puebla. “Na face do índio, do jovem, da criança abandonada, do ancião, encontramos a face do cristo crucificado.”

Ser amigo exige uma transdecendência, isto é, se colocar ao serviço do pobre na busca dos rostos sofridos do Cristo, e assim, superar a apatia que se tem na primeira aproximação, para descobrir neste a beleza e a contemplação do amor do de Deus de Jesus Cristo, que a todo o momento dispensa seu amor, sua amizade a cada um de nós.



[1] Dicionário Aurélio

[2] Idem.

[3] Idem

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